sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Em 1998 eu comecei a sentir um grande cansaço que considerei ser estresse, pois tinha acabado de sair de uma empresa onde eu tinha dado muito de mim.
Comecei a sentir fadiga ao subir apenas alguns degraus de escada, esquecimento de coisas triviais, dores nas pernas, taquicardia.
Eu tirava o fim de semana apenas para descansar e na segunda-feira tudo continuava do mesmo jeito, os sintomas continuavam.
Até que um dia, olhando no espelho, percebi uma protuberância do lado esquerdo do pescoço.
Eu procurei um médico endocrinologista que me solicitou alguns exames, que mostraram índices normais.

O médico então me disse para deixar do jeito que estava, pois com o tempo voltaria ao normal.
Como achei a resposta do médico muito irresponsável, resolvi procurar outro médico e a resposta não foi muito diferente da primeira consulta.
Consultei outro médico, mais outro e outro...e as respostas foram sempre semelhantes: deixar do jeito que estava para ver como ficava.
Eu estava sem trabalho e como não podia parar de trabalhar,
mesmo nesse estado arrumei outro emprego, com horário reduzido.
Minha chefe
me sugeriu fazer aplicações de acupuntura e fitoterapia chinesa, pois ela já tinha ouvido falar da eficácia desse tipo de terapia.
Minha disposição geral melhorou e o ¨caroço¨ no pescoço começou a diminuir.
Fiquei tão feliz que voltei a aumentar minhas atividades profissionais

E a tireóide foi trabalhando mais também.
Meu estado geral começou a ficar tão bom
que resolvi parar com o tratamento. E continuei tocando a vida.

O tempo passou e, por causa do excesso de trabalho, meu problema de saúde se agravou e eu precisei parar de trabalhar. Cheguei ao ponto de não conseguir nem levantar da cama. Os sintomas de hipotireoidismo chegaram no máximo: hemoglobina = 4, batimentos cardíacos = 35!!!

Um amigo, médico endocrinologista, viu a tomografia da minha tireóide e me recomendou um especialista, professor de faculdade.
Ele se espantou ao ver as imagens da minha tireóide. Eu estava com um bócio que media cerca de 12cm de diâmetro (após a cirurgia já media 16cm!!!) e tinha crescido de forma a provocar um grave desvio da traquéia, dificultando minha respiração.
Ele disse que nunca tinha visto caso semelhante e que ia me encaminhar para a Escola Paulista de Medicina, pois lá eles teriam interesse em estudar meu caso.

Era fevereiro de 2002 quando fui para o Hospital SP e fui atendida por um médico que prontamente disse que eu poderia providenciar os exames pré-operatórios porque eles realmente tinham interesse em estudar meu caso.
Os exames demoraram para ficar prontos e quando eu estava com todos em mão, fui para a consulta e o médico me informou que não tinha vaga e que era para eu retornar no próximo mês.
E assim foi minha rotina todos os meses seguintes: levantava às 4 horas da manhã para ir para o hospital, muito fraca, sentindo muito frio, com fortes dores nas articulações de todo o corpo e sonolenta...
A resposta era sempre a mesma: não tem vaga, volte o mês que vem.
Como eu não tinha outra escolha, continuei esperando.
Eu tinha colocado nas mãos de Deus e estava deixando tudo por conta dele.
Algo dentro de mim dizia que era para eu aguardar e ter paciência, pois chegaria a hora certa e o momento certo para eu fazer a cirurgia.
Eu estava tão enfraquecida que não tinha condições verdadeiras de ser operada.
Pedi a Deus que eu fosse operada no melhor hospital, no melhor dia, na melhor hora e pelo melhor médico.

Portanto eu no fundo, não estava com pressa, pois sabia que Ele estava preparando tudo para mim.
Então, um dia, assistindo à TV, vi uma médica especialista em medicina ortomolecular que falou dos benefícios da dieta do grupo sangüíneo e que disponibilizava uma apostila para quem desejasse fazer a dieta.
Eu solicitei a apostila que veio pelo correio e logo comecei a fazer a dieta.
Em 10 dias já comecei a sentir a diferença. Eu, que andava me arrastando dentro de casa, permanecia a maior parte do tempo deitada, ficava enrolada num cobertor o dia todo, com fortes dores nas articulações, passei a me sentir um pouco melhor, com mais força física.

Já era outubro quando retornei novamente ao hospital e fui atendida pelo Professor-Doutor, chefe da Cadeira de Cabeça e Pescoço, que, ao ver meus exames ficou surpreso por eu ainda não ter sido operada e resolveu agendar a cirurgia para a semana seguinte.
Mas, acho que ainda não era o momento de eu ser operada, pois a cirurgia foi marcada e desmarcada diversas vezes.
Enquanto isso, aproveitei para ler, pesquisar na internet e conversar com outros pacientes sobre problemas de tireóide.
Foi um período muito rico de auto-conhecimento e percepção de coisas que estavam relacionadas à tireóide e à minha vida.

1a. Cirurgia

2003. O médico me ligou e fiz minha primeira cirurgia em 10 de janeiro sem maiores problemas. Todos os médicos que consultei anteriormente haviam dito que eu não voltaria a falar ou que ficaria com problemas graves de voz. Voltei a falar no dia seguinte e nem precisei fazer fonoterapia. Minha voz ficou um pouco rouca, mas voltou ao normal em pouco tempo.
No pós-operatório só me lembro de ter tomado 3 frascos de vitamina C, cálcio e 2 frascos de dipirona. A cicatriz ficou sem quelóides.
Sentia formigamento nas mãos e em volta da boca, e os médicos disseram que isso era falta de cálcio e tudo se normalizaria brevemente.
Mas o braço direito ficou paralisado, grudado no tórax, parecia que tinha passado cola. Até então eu não sabia que isso acontecia com cirurgias da tireóide.

Isso ocorre por causa do conjunto de nervos que envolvem o pescoço.
Muita massagem, fisioterapia e exercícios para voltar a mexer o braço. Foram meses!
Também fiquei com uma anemia profunda que custou mais de 6 meses para curar. Nada resolvia. Tomava muito ferro, cálcio, mas eu ainda continuava muito fraca.


Decidi então fazer um tratamento com ervas chinesas para me fortalecer e em menos de 6 meses eu já era outra: minha hemoglobulina subiu de 4 para 11, meu batimento cardíaco subiu de 35 para 57.
Voltei a fazer caminhadas, saía para fazer as compras da casa, enfim, retornei a vida normal.

2a. cirurgia

Dois anos depois da cirurgia, em janeiro de 2005, eu fui a uma consulta anual de rotina no Hospital SP.
O médico me consultou e notou uma protuberância do lado direito do pescoço e me pediu ultrassom da tireóide, além de punção.
Fiz os exames, levei para o médico e ouvi aquela frase que ninguém está preparado para ouvir: Você está com câncer!!!
Fiquei atordoada. Pensava que já tinha passado pelo maior problema de minha vida e tinha superado!


Quando os médicos operaram a tireóide, perceberam que apenas o lobo esquerdo havia crescido e o lobo direito estava normal. Então resolveram preservá-lo. E aí, dois anos depois, surgiu o problema.
Tinham feito biópsia do bócio, mas não acharam malignidade.

Novamente iniciei todo o processo de preparação para a cirurgia. Mas, agenda daqui, agenda dali e o tempo foi passando.

Já era maio, quando certa noite acordei com uma forte dor no abdômem. Fui levada às pressas ao hospital e tive que ser operada imediatamente, pois havia um cálculo na vesícula que estava interrompendo a passagem de biles e eu corria sério risco de morte.

Mal tive tempo para me recuperar e, em 10 de junho, já estava sendo operada novamente da tireóide.

A cirurgia foi muito difícil. A cicatriz ficou do meio do pescoço até atrás da orelha do lado direito.
Fiquei novamente com o braço direito totalmente colado ao corpo, formigamentos, boca torta, lado direito do pescoço com sensação de repuxado...
Era inverno e, com o frio, as dores aumentavam mais ainda. Eu dormia sentada, porque tiraram tanto tecido do pescoço que eu não conseguia virá-lo nem um milímetro.
Foram meses de muito sofrimento. E novamente fisioterapia, massagens, acupuntura para voltar a mexer o braço, que nunca mais voltou a se movimentar como antes.
Ainda no pós-operatório o cirurgião me informou que eu teria que fazer iodoterapia imediatamente e me encaminhou para a Santa Casa de SP.
Ao chegar lá, só havia vaga para fevereiro de 2006!!! Ou seja, tinha que esperar., pois eu precisava tomar dose alta de iodoradioativo e a Santa Casa de SP é o único lugar onde fazem esse tio de aplicação.
Enquanto isso, fui me recuperando aos poucos, monitorando os exames de sangue mensalmente.
Quando chegou dezembro o médico me disse que teria que me internar, pois a minha tireoglobulina estava muito alta. Cerca de 8000!!!
Fui internada em 23 de janeiro e acabei ficando mais de 40 dias no hospital, entre idas e vindas para casa nos finais de semana.
Descobriram uma massa no mediastino, entre a traquéia e o esôfago, que media aproximadamente 4 cm, e metástase pulmonar.

3a. cirurgia

Em 8 de março de 2006 eu fui operada novamente.
A cirurgia foi pelo lado direito do tórax e o pós-operatório foi muito doloroso.
Cheguei a tomar morfina diretamente aplicada na coluna.
Novamente voltei com o braço direito preso ao corpo e a rotina de massagens, fisioterapia, exercícios...

A previsão era de que eu ficaria internada por 15 dias; fiquei apenas 7.
A recuperação foi muito dolorosa e eu precisava de ajuda até para levantar.

1a. Iodoterapia

Em abril fiz o preparo para a PCI e em maio estava fazendo a primeira iodoterapia.
Tomei 400mCi e fiquei 5 dias internada na Santa casa de SP.
Continuei monitorando a tireoglobulina que foi diminuindo aos poucos. E chegou a 3300. É considerado normal quando o índice da tireoglobulina chega abaixo de 30. Portanto, meu índice ainda era extremamente alto.

2a. Iodoterapia

Após 10 meses os médicos consideraram que seria necessária outra iodoterapia e em junho de 2007 eu tomei a segunda dose: 350mCi.
A tireoglobulina foi diminuindo até chegar a 1800.
Quando a tireoglobulina atinge índices muito altos, acima de 1000, isso indica metástase óssea e a minha cintilografia pós-iodo indicou isso: metástase no crânio, fêmur, ísquio, costelas, esterno, clavículas.
As dores eram muitas e em alguns dias necessitava tomar analgésicos fortes.

3a. Iodoterapia

Considerando que meu organismo já estava mais debilitado, resolvi consultar minha médica sobre a possibilidade de tomar o TSH recombinante.
Ela me prescreveu a receita para dois kits: 2 ampolas para tomar dois dias antes da PCI e 2 ampolas para tomar dois dias antes da iodoterapia.
Fiz mais uma semana de PCI, todos os dias tirando sangue, fazendo captação da tireóide e ficando sob aquela máquina scaneando meu corpo inteiro.
Sala fria, eu com sono, fraca, apreensiva...e ainda por cima....com uma forte dor no ciático....nas duas pernas!

Tomei uma dose bem menor que as anteriores: 180mCi. Mas o estrago é sempre o mesmo: boca seca, queimação no estõmago, fraqueza, diarréia....
E volta-se com aquela fome e só dá para tomar caldinho, porque o estômago não aguenta comida forte e pesada.
E sorvete! Para aliviar a queimação da boca e do estômago.
Mais alguns dias com os cuidados de isolar os objetos e distanciar-se das pessoas da casa e voltei para fazer a PCI pós-dose.

Confesso que fiquei um pouco apreensiva com relação ao Thyrogen (TSH recombinante), pois não sabia como meu organismo poderia reagir.

A iodoterapia não é um tratamento fácil, pois além de todo o cuidado com a alimentação durante o preparo, as horas sob o aparelho, os dias no isolamento, a queimação da boca, esôfago e estômago após a ingestão da dose, mais outros dias em casa isolada, e o tempo para voltar a se recuperar do hipotireoidismo, tudo isso gera emoções que podem variar de um indivíduo para o outro, mas que são desconfortos que certamente nos tornam inseguros e frágeis.
É preciso ficar fortalecida física, mental e emocionalmente para enfrentar esse tratamento.


O resultado da PCI pós-dose demonstrou concentração do radioiodo em osso do crânio, esterno, clavículas, úmeros, arcos costais (principalmente posteriores), coluna vertebral, ilíacos, fêmures e uma lesão focal provavelmente de localização hepática (não é possível precisar se há superposição de lesão em costela).

Dessa vez, com a apliação do Thyrogen, o TSH subiu bastante (>100uU-mL) e a tireoglobulina chegou a > 15000 ng-ml, o que foi bom para maior captação do iodo.
Vomitei muito com as aplicações de Thyrogen. A médica me disse que isso não é normal. Mas meu caso não é normal. ..
Fiquei fraca, debilitada e com muitas dores.

Levei o resultado do exame para minha endócrina, que disse que meu caso é duplamente raro:
1) muito raro acontecer um bócio e depois câncer no outro lobo.
2) apresentei os dois tipos de câncer de tireoide: papilífero e folicular.
E, o pior é que o papilífero não é um bonzinho. É papilífero celulas altas, o que o torna mais agressivo.
Disse-me que tudo que foi possível foi feito no meu caso. Mas que esse tipo de tumor age por ele mesmo e quando se tenta cercá-lo de um lado ele ataca de outro.
É raro ocorrer metástase óssea em decorrência de câncer de tireóide, mais ainda quando ocorre em larga escala, como é o meu caso.
Aproveitei para tirar algumas dúvidas:
1) Se na primeira cirurgia tivessem tirado toda a tireóide, os dois lobos, teria evitado o câncer>
Resposta: Não. Esse tipo é muito invasivo e provavelmente já estava lá, em metástase.
2) Se eu tivesse tomado o Thyrogen na primeira iodo, meu TSH teria subido bastante, captado mais iodo, portanto surtiria mais efeito e teria evitado as outras iodos>
Resposta: Não. Primeiro porque em 2006, quando fiz a primeira iodo, não se utilizava o Thyrogen com a prescrição que se faz atualmente. Segundo, porque os médicos preferem ver como o iodo atua no organismo sem o estímulo exterior.

Sinto muitas dores no fêmur e ísquio, parecendo que minha perna foi torcida. A médica recomendou sessões de radioterapia (pois dizem que diminui a dor)

A sensação que tenho é que dei um salto de bailarina...com as pernas abertas...e desloquei o osso da virilha. Dói muito.
Tive uma crise de dor tão forte que fui às pressas para o Hospital, de ambulância.
Fui atendida pelo clínico geral que me encaminhou para o neurocirurgião. Este pediu uma radiografia de toda a coluna que mostrou 7 tumores e um trincamento. Ele me disse que seria necessária uma cirurgia para retirada desses tumores e implantação de enxerto, mas que eu não suportaria tal cirurgia e o pós-operatório.
E na bacia (ísquio), também tumores que precisariam ser extirpados e colocada placa de titânio, mas que para isso o osso precisaria estar firme, o que não é o meu caso.

Fui encaminhada para a especialidade de Cuidados Paliativos, onde uma equipe formada por médica clinica, psicóloga e enfermeiro me consultaram e prescreveram medicação para dor (morfina, pamelor e dipirona). As dores persistem ainda assim.
Passo o tempo todo na cama, pois não tenho mais firmeza nas pernas para ficar de pé ou andar.
Uso fraldas dia e noite, pois apresento incontinência urinária.
O mínimo movimento é suficiente para a dor vir forte e eu sentir como se estivesse partindo ao meio.

Iniciei o tratamento com radioterapia. Ao todo 16 sessões para diminuir a dor.
Mas o oncologista solicitou uma ressonância magnética de toda a coluna e foi constatado um tumor no sacro (cócix), que me impede de ficar sentada ou de pé sem sentir dor.
Por isso terei que fazer mais 16 sessões para diminuir a dor nessa área.


É importante que as pessoas saibam que o câncer de tireóide pode ocasionar muitos problemas e que acompanhamento permanente é necessário e deve ser feito.

É assim que está minha vida em julho de 2009.